Arquivo para agosto \29\-03:00 2015

ESCOLHAS DE UM APRENDIZ

A campainha soa. Pelo olho mágico, identifico quem chega: Angústia, Tristeza e Autocomiseração. Normalmente, andam juntas. Hesito. Reflito.

Elas me sorriem. Seus sorrisos me são familiares. Lembram, parecem, acho mesmo que são os sorrisos de pessoas queridas. São sorrisos de compreensão, como se assim dissessem: “Podemos notar o quanto você nos aguarda!”.

Lá de fora, como se me vissem cá dentro, aguardam impassíveis, calmas, cheias de ternura. “Abra! Viemos te fazer companhia!”. Há sinceridade em seus sorrisos. E eu posso ler esses pensamentos em seus sorrisos.

Encosto a testa na porta, na altura do olho mágico. Elas sabem que eu estou ali. E me aguardam. Fecho os olhos e me lembro de quanto elas podem fazer bem a um espírito solitário. Eu já senti o prazer de suas companhias. Aliás, é tudo que alguém pode precisar para viver normalmente. O mundo quase todo depende delas e se convive com elas. Elas estão em toda a parte. Onipresentemente poderosas. E agora estão aqui em minha porta: delivery e 0800! À minha inteira disposição.

Giro a chave na fechadura. Depois a maçaneta. Noto que elas se ajeitam para estarem bem apresentáveis. Abro a porta.

“Que desejam?”. A pergunta parece pegá-las de surpresa. Entreolham-se desconcertadas. “Não nos reconhece?”, pergunta a Autocomiseração. “Desde que você era pequeninho, criancinha, fazíamos-lhe companhia quando todos o abandonavam…”. “Sim” – completou a Tristeza – e você ficava chorando no fundo de sua casa ou perdido no meio da mata, perdido no meio da pobreza e de um mundo escroto que não o entendia…nem o entende até hoje…”. Foi, então, a vez da Angústia intervir: “E nós o púnhamos no colo, quando pequeno; inspirávamos suas canções e poesias quando você era adolescente; bebíamos com você até cair, varando a madrugada, quando se tornou adulto e cheio de problemas sem solução…”.

Fitam-me, sorrindo, à espera das minhas recordações, durante um segundo que parece durar uma eternidade.

“Ah! E Desculpa está chegando, também! É que ela foi pegar Sem Rumo…mas já chegam…”, arremata, ainda um tanto quanto desconcertada, Angústia.

“Podemos entrar, agora?” – pergunta Tristeza, enquanto avança em direção à porta. Mas seu queixo esbarra no meu braço atravessado à sua frente, de um lado a outro da entrada.

Ouço um “Oh!” de espanto. Uníssono.

“Não vai nos deixar entrar?” – pergunta Autocomiseração. “Sim, podemos ajudá-lo!” – complementa Tristeza. “Verdade, Erasmo! Sempre estivemos ao seu lado!” – finaliza Angústia.

“Sim, eu sei disso! Foi uma escolha minha e sei que vocês, sinceramente, desejaram me ajudar, me proteger, me dar um sentido, me pôr a salvo. Mas, na boa, não preciso mais de vocês. Agradeço pelo que fizeram e pelo que tentaram fazer por mim. Só que fiz novas escolhas. E nelas não estão vocês, compreendem?…”.

“Hei! Erasmo!”, grita uma voz que vem de dentro do apartamento. “E aí? Vamos começar ou não esse Plano de Prospecção de Clientes, pô?”. “Só um minutinho. Já sabemos por onde começar….guentaê!” – respondo, tranquilamente.

“Você está com visitas? Podemos voltar outra hora?…” – pergunta Angústia.

“Não. Não estou com visitas!” – respondo, sorrindo.

“Erasmo, esse roteiro aqui está bem legal! Posso compartilhá-lo?”. – grita outra voz do lado de dentro do apê. “Manda ver! Eu já estou indo!”.

Angústia retruca: “Mas….e essas vozes? Por que está mentindo prá gente?”.

“Não estou mentindo!” – respondo-lhe suave e sorridentemente.

“Então?….” – pergunta Autocomiseração, reticentemente, apontando para dentro do apê.

“Não são visitas: são minhas companhias, minhas novas escolhas!”.

Viro-me para trás e lá estão Incentivo, Prosperidade, Foco, Meta, Objetivo, Alegria, Escolha e mais uma trupe, sorridente, que me deixa feliz!

Nisso, o telefone celular de Tristeza toca. Ela atende. E depois de poucos segundos responde: “Não! Não precisam mais vir! Não! Vocês não estão atrasados! O espaço já foi ocupado!”.

“Adeus, Meninas! Grato por tudo! Com licença! Tenho muito que fazer, agora!” – despeço-me enquanto fecho a porta. Elas se vão, mudas e compreensivas.

“Putz! Quase duas da tarde! Vumbora, Galera! Temos muito a fazer por aqui! E o que é isso aí em sua mão, Escolha?”.

“O roteiro de sua história, ou melhor, de suas histórias…foi você quem fez! Por isso estamos todos aqui!”.

***

Escolhas podem provocar lágrimas. Mas você decide se de Tristeza ou de Alegria. Tenho certeza que você sabe de onde vêm as que brotam aqui, agora…

(Histórias de verdade não têm “The End”. Têm recomeços! “Begin again!”)

Erasmo

29Ago2015.

IMG_20150829_143609644[1]

 

 

 

 

 

UM SONHO DE GULLIVER NA TERRA DA GIGANTE

Eras, então, como um conjunto de imensas e alvas dunas. E eu, minúsculo, podia rolar sobre elas e sentir o seu calor. Podia mergulhar em sua boca, que sorria, e tocar cada dente de marfim com as mãos. Descia, rolando em câmera lenta, pelo seu pescoço, enquanto sentia seu perfume, o qual punha-me em êxtase, fazendo-me dançar por entre seus seios, excitados, arrepiados, a acariciá-los. E descia, rolando, dançando, como atraído pela trilha que levava até a fonte de  seu umbigo, e nele refrescava meus pés. Depois, de um salto por sobre seu sexo, desci a rolar por entre suas coxas, alvas, quentes, acolhedoras, e de lá passeei por suas pernas, nelas fazendo marcas que o vento apagava, enquanto se arrepiavam. E ao chegar em seus pés, cujos dedos mexiam-se num espasmo, encostei as minhas costas na palma de um deles. Nessa hora, eu era um pouco menor que eles. E podia abraçá-los e por minha cabeça por entre os seus dedos. Brincava com seus tornozelos quando uma música calma, acompanhada do som de água correndo suavemente por entre o leito de um riacho chamou-me à atenção. E lá voltei, ao seu sexo, que era, agora, uma bela queda d’água que se espraiava num pequeno lago. E ali mergulhei de corpo e alma e nadei até as entranhas da cascata, onde o movimento da água se fazia mais intenso e barulhento a cada momento e atingia meu corpo com uma violência arrebatadora. Parecia que estava a me afogar, mas agonizava de um prazer que não me deixava pedir socorro. Até que senti suas mãos, que vieram como duas imensas conchas e, ao invés de me salvarem – e adivinhavam que eu não era queria ser salvo –, me conduziram ainda mais para dentro, para o centro da cascata viva, da gruta envolvente, quente, coberta por uma cortina de fogo, que ardia sem me queimar. Não sei quanto tempo ali fiquei. Um segundo, talvez, uma eternidade, com certeza. Até que não vi mais nada. Tudo se apagou….

Acordei, não sei quanto tempo depois, com a luz do sol batendo em meu rosto, deitado na prainha daquele belo lago, que agora sereno, também parecia dormir. E ali permaneci, com sua mão gigante, adormecida e calma sobre mim, até que veio a realidade e me levou de volta à minha viagem pelas terras distantes.

Poemas sem data.

(In: Eu monologo, tu apenas escutas, nós, nus, dialogamos: a conjugação criptografada dos sentimentos proibidos!)

Flores que dão em qualquer canto – um monólogo

IMG_20150710_080624109

Flagro-lhes dando no mato, nas calçadas, nas estradas, em todos os cantos!

Gostaria de expô-las, mas talvez isso lhes tirasse a privacidade. E elas poderiam não gostar.

Ou talvez não! Se elas dão em qualquer lugar, não se importariam com isso, então!

Mas, quem sabe, talvez elas conheçam os seres humanos e saibam que nem sempre estamos atentos às simples e belas coisas à nossa volta, como florezinhas que dão em qualquer lugar.

E por isso dão e afloram à vontade!

É uma possibilidade!

IMG_20150809_115213614
IMG_20150809_095917849[1]

Ora, ora:

Talvez seja esse, então, o segredo delas: simples e tão belas – podendo dar nas calçadas, no mato, nas estradas – tão publicamente invisíveis, assim sobrevivem livres e libertinas, entregues a beija-flores anônimos, longe dos alicates que podam as belas, porém condenadas rosas!

E assim flertam suavemente despudoradas, semi-vestidas em suas cores vivas e tão transparentes, que chegam a revelar-lhes a essência; flertam, assim, diante de um “click” que lhes captura a nudez invisivelmente pública, mas que não lhes corta os frágeis caules, como faria o outro “click”, o do alicate.IMG_20150809_100737971

Aquele primeiro captura-lhes a essência desdobrada, desabrochada em pétalas intocáveis e eternas. Este outro, no entanto, poda-lhes a vida, condenando-lhes, provavelmente, a buquês que terminarão no lixo das provas de amor.

IMG_20150813_241513263[1]

“Click”: furto-lhes o que podem perder sem lhes fazer falta – nem a elas, nem a ninguém!

“Click”: furto-lhes as prisões! Eternizo-lhes as liberdades!

Quase Primavera de 2015.

(In: eu monologo, tu apenas escutas, nós, nus, dialogamos: a conjugação criptografada dos sentimentos proibidos!)

IMG_20150809_125335120[1]

LIÇÕES DOS TEMPOS DOS CANÁRIOS

Naquela época, ainda não era proibido aprisionar pássaros silvestres (e com que demora essa isso chegou!). E eu, menino de subúrbio bem atrasado, sem qualquer consciência ecológica, adorava caçá-los vivos e prendê-los em gaiolas: capturá-los. Depois, amansava-os, até que começassem a cantar dentro daquelas prisões.

Aos dez anos de idade, eu já era “mestre” em fazer isso, graças a uma disciplina de observador, que levava horas e horas a estudar os hábitos dos bichinhos. Todo dia, era a mesma rotina: acordava antes do dia clarear, pegava a gaiola e o alçapão e ia ficar na espreita, onde houvesse um passarinho cantador.

Ali, depois de observar bastante seus hábitos, preparava a cilada, que consistia em atrair o pequeno pássaro para a gaiola, na qual se encontrava outro de sua espécie (denominado pelos pegadores de passarinhos como “o chama”). Dependurado na gaiola, ficava o alçapão, uma armadilha semelhante a uma pequena gaiola, que na parte de cima possuía uma tampa móvel, a qual se fechava e prendia o incauto pássaro quando esse achava de comer o milho alpiste depositado estrategicamente na base do engenho[1].

Muitos deles eram fáceis de ser aprisionados e não me davam muito trabalho. Não raras vezes, logo na primeira tentativa, eu os pegava. Os colegas “caçadores” (meninotes de minha idade) diziam que eu tinha muita sorte, pois, nessas brincadeiras, acabava pegando passarinhos que, naquele tempo, valiam algum dinheiro (acho que havia um pouco de sorte, mesmo. Mas, não podia deixar de considerar minha “competência” de caçador de passarinhos, já que não media sacrifícios ou engenhosidades para capturá-los).

Outros pássaros, no entanto, eram extremamente espertos. Muitas vezes chegavam à borda do alçapão, inclinavam todo o corpo lá dentro e, como se soubessem que tipo de armadilha era aquela, apanhavam os grãos de milho alpiste lá no fundo, sem encostar na peça que acionava o fechamento da tampa. Aquilo era de dar nos nervos: ver o bichinho chegar na boca do alçapão e depois ir embora (às vezes até de papo cheio, às minhas custas).

Mas, aí é que minha “competência” se revelava em detrimento da sorte. É que, após fazer isso uma, duas, três, várias vezes, numa hora, num outro dia qualquer, acabava que o bichinho – de tão acostumado a me dar nó – se atrapalhava e zapt caía na minha armadilha. E eu saía correndo, com o coração em disparada, saltando as lápides e as cruzes do campo do cemitério (que era uma espécie de quintal da casa onde eu morava, dada a proximidade a essa e a ausência de muros nas laterais…acho que foi por isso que perdi o medo da morte! (risos)).

Às vezes, aquele ritual levava semanas: o passarinho ia até a boca do alçapão, olhava para dentro e ia embora. Ou então, os mais espertos iam e comiam o alimento sem ativar a armadilha. Mas eu não perdia a paciência nem a esperança de ser dono daquela pequena criatura. Assim, quando percebia que não teria outro jeito, amarrava um longo pedaço de linha na peça que fechava a tampa e ficava escondido numa moita. Então, quando o danado estava lá a fazer-me de trouxa, eu dava um puxão na linha para acionar o dispositivo e o capturava.

O grande problema dessa técnica era que, caso o passarinho conseguisse escapar antes de a tampa se fechar, era mais que provável que nunca mais se aproximasse da armadilha. E como a probabilidade de ele “sentir” a manobra era muito grande (o puxão na linha sacudia o alçapão antes de fechar a tampa), eu somente partia para esse recurso quando decorridos muitos dias da caçada, sem êxito.

Depois de capturado, após três ou quatro semanas, o pássaro já estava domesticado. Alguns ficavam tão acostumados ao convívio humano e à comida fácil que se podia soltá-los e eles retornavam à gaiola, alegres e cantantes, pois haviam se acostumado ao cativeiro, assim como fazemos nós com nossas “gaiolas sociais” (empregos, vícios, shoppings centers, entre outros tantos).

Todavia, a grande lição que recebi dessa época em que capturava pássaros, ocorreu quando eu já devia ter por volta de uns doze ou treze anos de idade. Naqueles dias, surgiu no “campo do cemitério” um imenso e belo canário-da-terra acompanhado de sua fêmea. Para quem não sabe, no mundo dos pássaros, normalmente (e ao contrário do que acontece com a raça humana), os machos são mais vistosos que as fêmeas. Os canários da terra – tanto os machos quantos as fêmeas – nascem pardos. Posteriormente, em regra, os machos mudam de cor e se tornam amarelos, quase da cor da gema-de-ovo, com um sinal quase avermelhado na cabeça (chamado de “cravo”)[2], enquanto que as fêmeas permanecem pardas por toda a vida (com algumas raras exceções)[3].

Pois bem: esse canário era o mais belo que eu já tinha visto naquelas paragens. Além da cor bastante amarelada, era maior que os de sua espécie e cantava como nenhum outro. Sua presença se fazia ainda mais marcante em virtude do contraste existente entre o amarelo-gema-de-ovo de sua penugem e a parda, da penugem da fêmea.

É claro que para um garoto que adorava capturar passarinhos, a chegada daquele espécime representava um grande desafio. E de fato, o foi!

Não me recordo bem, mas acho que levei meses (talvez uns três ou quatro) tentando capturar aquele belo canário. Realmente, precisei usar de todas as minhas habilidades para capturá-lo.

E, numa inesquecível manhã, eu finalmente consegui.

Lembro-me daquela manhã como se fosse hoje. Eu corri feito alucinado em direção à armadilha, com o coração quase saindo pela boca, sem ver nada mais ao redor e, com as mãos trêmulas, segurei aquele prêmio, escondendo-o sob a camisa, junto ao peito.

Somente algum tempo depois eu viria a perceber que o bichinho também estava com o coração dele em disparada…só que por causa do medo…debatendo-se dentro da pequena armadilha. Foi então que aprendi a mais importante lição de minha vida.

Eu sabia que, no começo, os pequenos pássaros, debatiam-se bastante dentro das gaiolas até acostumarem-se com a proximidade humana. Alguns chegavam a se machucar, coitados, mas acabavam se tornando tão dóceis que alguns podiam ficar fora da gaiola, pousados no meu dedo, cantando.

Mas com aquele lindo canário, era diferente. Passaram-se semanas e ele não se acostumava dentro da prisão. E muito menos, cantava.

Naquela época aprendi, também, que alguns pássaros são monogâmicos. Pelo menos enquanto puderem estar juntos.

O “meu” canário deixara uma fêmea do lado de fora e eu até começara a pensar em capturá-la para que ela fizesse companhia ao prisioneiro, mas o aprendizado veio, felizmente, na frente!

Eu comecei a perceber que o “meu” canário sofria demais nesse processo de domesticação e aquilo começou a me incomodar. Sim: incomodava-me. Eu queria muito vê-lo manso dentro daquela gaiola. Queria ouvi-lo cantar, como ele fazia quando estava solto e também como faziam os outros canários que foram amansados. Então, eu entrei num conflito intenso, pois queria domesticá-lo, mas percebia que era um processo doloroso. Só lembrando que isso aconteceu há quase quarenta anos e que eu era apenas uma criança (e, possivelmente, uma “criança má”…).

Então, resolvi soltá-lo. Mas eu não tinha “coragem” de ir contra mim mesmo…

Foi assim que me surgiu uma ideia: ao invés de soltá-lo, resolvi fazer com que ele se soltasse!

Um dia, ao invés de trancar a gaiola, como costumava fazer após limpá-la e colocar água e comida, deixei-a aberta…ela estava dependurada na parede da frente da casa…e eu fui para o fundo da casa. Lá fiquei por muito tempo, chorando, sentado no chão, com a cabeça apoiada nos braços cruzados sobre os joelhos.

Não sei quanto tempo levei ali, mas pareceu-me uma eternidade. Até que tomei coragem e retornei à frente da casa onde estava a gaiola. E lá estava ela com a portinhola aberta…e vazia! E veio-me um misto de tristeza e de alegria ao mesmo tempo, tudo muito confuso.

E foi então que ouvi o canto do belo canário, que estava pousado num galho de pé de fruta-pão que existia em frente à casa onde eu morava. E ele estava ao lado de sua fêmea.

A partir de então, passei a abrir outras gaiolas. Mas percebi que alguns dos seus prisioneiros estavam tão acostumados com aquela vida que “preferiram” ficar por ali mesmo. Outros, foram embora, mas acabaram indo parar noutras gaiolas, pois ficaram condicionados a isso.

Muitos anos depois, viria a lembrar daquela lição em um relacionamento muito parecido com aquele entre eu e o belo canário. E ela me ajudou a “libertar” minha “canária”. E, também, me ajudou – noutras ocasiões – a me libertar de certas gaiolas.

Acho que aprendi a fazer escolhas.

Mas, por outro lado, essa história me ensinou que pessoas não são canários. Então eu passei a conversar sobre esse processo de “liberação do cativeiro” com elas.

Todavia, nenhuma lição é completa. Agora, parece que preciso aprender a não precisar conversar sobre a liberdade, seja com meu “prisioneiro”, seja com quem me prendeu ou me prende.

Mas, enquanto isso, o menino está lá no fundo da casa, sentado no chão, com a cabeça apoiada nos braços cruzados sobre os joelhos….chorando, querendo que o canário ao menos lhe dissesse porque, ainda que livre, sequer soltou seu belo canto.

Talvez porque, canários não falam…

IMG_20150805_131255932_HDR[1]

[1] https://www.google.com.br/search?q=al%C3%A7ap%C3%A3o&espv=2&biw=1366&bih=667&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=cT-XVcSJE8OWNtOogbAO&ved=0CCMQsAQ&dpr=1#imgrc=Gs42TsAGnSRwoM%3A

[2] http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.pedromigao.com.br/ourodetolo/wp-content/uploads/2015/02/CAN%25C3%2581RIO-DA-TERRA-VERDADEIRO_Sicalis_flaveola_1.jpg&imgrefurl=http://www.pedromigao.com.br/ourodetolo/2015/02/jogo-misto-andre-diniz/canario-da-terra-verdadeiro_sicalis_flaveola_1/&h=929&w=1228&tbnid=laM6e26gqjRqTM:&zoom=1&tbnh=151&tbnw=199&usg=__domGD3pGB-rt9lzpAt0MazMcg0I=&docid=SfpOxCXS3Gf_iM&itg=1

[3] https://www.google.com.br/search?q=femea+do+canario+da+terra&espv=2&biw=1366&bih=667&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=xFGXVYO7LYa0ggTG5YCQCQ&ved=0CAcQ_AUoAg#imgrc=4CzzY04jnPHAnM%3A

Entre a Raposa e o Príncipe

A Raposa e o Príncipe: para mim, essa é a maior fábula de todos os tempos!

Emocionante!.

Penso que, às vezes, somos a Raposa. Outras, o Pequeno Príncipe. E noutras, simplesmente, o próprio espaço da angustiante espera, pelo qual não chega o som da voz nem atravessa o sorriso. Pelo qual não chega o Visitante, tampouco notícias suas…

“A RAPOSA E O PRÍNCIPE
E foi então que apareceu a raposa:
__Bom dia, disse a raposa.
__Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira…
__Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita…
__Sou uma raposa, disse a raposa.
__Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste…
__Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
__Ah! desculpa, disse o principezinho. Após uma reflexão, acrescentou:
__Que quer dizer “cativar”?
__Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
__Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer “cativar”?
__Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também.
É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?
__Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer “cativar”?
__É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa “criar laços…”.
__Criar laços?
__Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual
a cem mil outros garotos.E eu não tenho necessidade de ti.E tu não tens necessidade de mim.
Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas.
Mas se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo.
E eu serei para ti única no mundo…
__Começo a compreender, disse o principezinho…Existe uma flor…eu creio que ela me cativou..

.
__É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra…
__Oh! não foi na Terra, disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
__Num outro planeta?
__Sim.
__Há caçadores nesse planeta?
__Não.
__Que bom. E galinhas?
__Também não.
__Nada é perfeito, suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua idéia:
__Minha vida é monótona. Eu caço galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem
e todos os homens se parecem também. E por isso me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas,
minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros.
Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música.
E depois, olha! Vês lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de
trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso
quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo…
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
__Por favor…cativa-me! disse ela.
__Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas
a conhecer.
__A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa
alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais
amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
__Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
__É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei
para o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto…
No dia seguinte o principezinho voltou.
__Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu
começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas então, estarei inquieta
e agitada : descobrirei o preço da felicidade!

Antoine de Saint-Exupéry